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domingo, 26 de setembro de 2010

A terceira

O ambiente não era lá muito agradável e nem parecia com aquilo que ele esperava para prever seu futuro, sempre imaginara uma tenda com uma bela espanhola peituda vestida em tons de vermelho, verde e preto... Mas, não! Estava lá, sentada à sua frente, uma loira oxigenada. De certo que ela se considerava autodidata e teria estudado em livros de taro para prever o futuro dos outros, atribuindo a si mesma alguma forma de premonição, mas o futuro é um mistério mesmo... Que mal havia em ouvir a opinião dela?

É claro que ela teceu comentários dos mais variados naipes, falou que ele precisava aprender a guardar dinheiro, planejar o futuro, que um amigo não era confiável, que havia muita inveja sobre ele, nada que a mãe dele nunca dissera antes. Mas o que o marcou de verdade foi aquela frase, dita em ritmo pausado à La Matrix, a terceira, a terceira mulher com quem se envolver será o amor da sua vida, dissera aquilo com um olhar tão enigmático e vazio que parecia ter certeza absoluta do que estava dizendo.

No auge dos seus vinte e cinco anos ele provavelmente não queria encontrar tão logo o amor da sua vida, mas três mulheres, três, isso parecia tão pouco, depois parecia tanto, ele tinha uma namorada, porque não ela? Ela seria a número um ou deveria contar a partir dela? Se a mulher era mesmo vidente devia ter previsto que ele não acreditaria em nada do que ela disse e se poupado de tanto blábláblá... mas três. Agora sua vida não seria de busca, apenas de espera.

Pelo menos foi isso que pareceu no primeiro ano seguinte à consulta, lento, manso, ele nem chegou a amar, parecia que a vida estava com o freio de mão preso: playboy, sexo sem compromisso, cerveja, cigarros, música dos outros, reflexões que datavam de bem antes de aquela loira invadir sua vida com duas mulheres que não representariam nada e apenas uma, a terceira, que seria a mulher. Aquele ano passou choroso, derramando cada dia de uma vez no longo balde de míseras notícias que ele já esquecera e que nem fizeram sentido quando aconteceram. Sequer era ano de eleição e tudo se resumia em um não ser quase ridículo.

Soprou vinte e seis velas em outro fevereiro quente e com chuvas fortes, um ano em branco: vazio de amores, seco de gozos e prazeres intensos ou pelo menos compensadores, um ano a mais longe da terceira, aquela mulher bendita que ele aguardava sem pressa, porque de forma misteriosa acreditava que viria, um dia.

Mas enfim chegou a primeira, ou seria a segunda? Já nem se lembrava ao certo do porque tinha terminado tudo com aquela namorada que insistira para que ele procurasse uma cartomante, talvez ela quisesse saber mais de suas incertezas do que ele mesmo (será que ela queria ouvir que ela era a escolhida?) e, convenhamos, aos vinte e cinco quem não sabe nada do futuro não planejou coisa nenhuma e tá procurando um culpado.

Por incrível que pareça, surgiu em sua vida uma mulher, mas era só a primeira, a primeira de um ano cheio de bonança e prazeres passageiros, o que o ano anterior poupou, ele gastou sem dó. Beijou, pegou, apertou, gozou a vida da forma mais deliciosa que poderia, mas sempre pensando que ela não era a terceira... Precisava conhecer a segunda logo.

A segunda, a segunda, a segunda. O número dois era seu favorito, pensava ele uma noite antes de dormir... dois seios, dois olhos brilhantes, duas mãos a lhe acariciar, mesmo dois chocolates eram sempre melhor do que um, e antes das duas da manhã ele nunca dormia... É... talvez a segunda lhe trouxesse mais do que lhe trouxe a primeira.

Chuva, trovões, tempo úmido, barro nos sapatos, camisas molhadas, risos histéricos, dois olhos com hímel escorrendo, um olhar. Era ela. Infelizmente era a segunda... seus lábios eram tão macios quanto um colchão e ele adorava se jogar neles. Aqueles olhos brilhantes pareciam penetrar-lhe a alma e os braços?! Braços aconchegantes e tão perfumados que dava vontade de ser abraço pra sempre... Certa noite, depois de encontrá-la, chegou a pensar que talvez ela fosse mesmo a terceira, não poderia ter sido a namorada a primeira?... Vai saber... Depois de pensar, resolveu investir na relação: mediu o dedo dela sob sua mão, comprou uma pequena e delicada aliança prateada, flores e chocolates... Os lábios dela ficavam ainda mais deliciosos doces.

Encontrou-a. O anel foi posto em seu dedo de forma inusitada: “amor, que é isso no seu cabelo?”... dedos enlaçados, lábios doces, beijos deliciosos, amor... amor!... amor? É... As coisas mudaram no outro dia. De alguma forma ela – a terceira? – já não era mais a mesma. Sorria pouco, não atendia aos telefonemas, mensagens e respostas monossilábicas. Bastou um que você tem para que ela chorasse, dissesse que o amava muito, mas que não o merecia. Talvez ela não fosse a terceira... ou ele a perdera na ansiedade de possuí-la.

Fossa! Choro! Ligações sem resposta! Depois? Cerveja, vodca, whisky... Dias sem comer direito. Quase cinco quilos a menos, olheiras, cheiro de cigarro, cabelo ser cortar... Seria engraçado se não fosse trágico. Depois de uma ervinha, riu, lembrando-se da loira peituda. Filha da puta! Queria esquecer a terceira, mas como esquecer algo que não existe?! Na verdade, o seu sofrimento era muito dolorido, dor mesmo era não saber se a mulher do anel era a terceira ou apenas a segunda.


Agradeço à contribuição maravilhosa do DuduLuiz de Souza (escritor, pesquisador e músico mineiro).

2 comentários:

  1. Ótimo (pra variar). A terceira...a terceira, como a verdade, é uma busca eterna do que não existe. Afinal "eterno em amor tem o mesmo sentido que permanente no cabelo" (coisas do Millôr rsrs). A primeira, a segunda, a quarta, etc, são as verdadeiras. Lindas, complicadas, deliciosas...mas nunca serão a terceira! Nunca tive A TERCEIRA. Com 41 anos bem rodados, acho que a terceira é a junção das memórias tatuadas na minha alma por todas que passaram por minha vida... e que ainda passarão. Massa Quel!!! Bjão

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  2. Esse conto é interessante, envolve uma decadência em se preocupar demais com um amor ideal que é tão raro e difícil que chega a ser utópico. No caso de amor perfeito e gente perfeita isso é realmente uma fantasia pois não existe perfeição. Gostei de ler esse texto.

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